O
Desafio da Teologia nos tempos de hoje
O Pluralismo do Pós-Modernismo
Héber Carlos de Campos
As últimas décadas do século XX têm
sido caracterizadas por movimentos filosófico-teológicos que romperam com tudo
o que, historicamente, tem sido crido como verdade fundamental, da qual não se
poderia abrir mão. Esses movimentos têm tomado vários nomes como: secularismo,
relativismo, pós-modernismo e pluralismo.1 Eles são movimentos que
caminham juntos, cada um com as suas próprias características, mas há alguns
sentidos em que eles se confundem e se sobrepõem. Nenhum deles é ofensivo ao
outro. "O secularismo é o guarda-chuvas sob o qual todos convergem."2 O
curioso é que todos esses ismos estão de alguma
forma amarrados à esfera temporal, sem qualquer noção de verdades eternas e
sobrenaturais. Não há a ênfase às verdades transcendentais. As coisas estudadas
nesses movimentos não ultrapassam a esfera das coisas mensuráveis e
verificáveis cientificamente. Embora o modernismo já esteja quase fora de cena,
ainda a filosofia Kantiana deixa os rastros do seu ensino de que o Eterno não
tem envolvimento no temporal. As coisas da metafísica não têm vez num mundo
dominado por um secularismo disfarçado com vários nomes.
Neste ensaio, poderemos ver como o
pós-modernismo e o pluralismo se entrelaçam de várias formas. A abordagem deste
ensaio será do pluralismo como um movimento ético, religioso e teológico.
Estamos vivendo num tempo de muitas
mudanças fundamentais. Portanto, precisamos obedecer a recomendação
da Palavra de Deus de conhecer os tempos, que "já é hora de vos
despertardes do sono..." (Rm 13.11).
I. As Origens do
Pluralismo Pós-Modernista
A cultura ocidental tem passado por
muitas mudanças. Uma cosmovisão depois da outra tem aparecido. A cosmovisão
bíblica, isto é, a idéia de mundo, de criação, de Deus, de homem, etc., através
das lentes da Escritura, tem atravessado todos os períodos da civilização
ocidental. Contudo, depois da entrada do período moderno essa cosmovisão sofreu
sérios embates e, com as lentes do racionalismo, fez com que a cosmovisão
bíblica viesse quase a desaparecer em alguns segmentos e regiões. Com o advento
dos tempos modernos, a cultura ocidental foi invadida pela cosmovisão romântica
e de um cientificismo materialista, do século XIX. No século XX, ela foi
invadida pelo marxismo, fascismo, positivismo e existencialismo.3 Contudo,
na segunda metade deste século, o espírito do tempo "moderno" veio a
cair de moda. Entramos nos tempos pós-modernos. Esse tempo, segundo alguns, foi
iniciado com a falência do comunismo, com a derrocada do muro de Berlim, em
1989, e com o insucesso absoluto da economia do sistema materialista. O
modernismo foi substituído pelo pós-modernismo. Houve a queda dos padrões
morais anteriormente estabelecidos e começou a questionar-se de maneira muito
mais clara a necessidade de haver uma verdade objetiva.
Contudo, o pluralismo não nasceu no
período pós-moderno. Ele tem suas raízes já no período moderno. No começo do
século XIX Schleiermacher começou a questionar a exclusivismo do cristianismo
que dizia ser Jesus Cristo o único caminho para a vida. O problema da
diversidade religiosa estava levantado. O cristianismo começou a ser questionado
como a única saída para os problemas humanos. Schleiermacher argumentava que
Deus "está salvificamente disponível, em algum grau, a todas as religiões,
mas o evangelho de Jesus Cristo é o cumprimento e a mais alta manifestação da
consciência religiosa universal."4 O cristianismo do
liberalismo teológico do século passado começou a sustentar que o Deus imanente
do cristianismo não pertencia somente ao cristianismo, mas pertencia a todas as
culturas religiosas do mundo. Jesus Cristo era o exemplo máximo desse Deus
imanente, mas não era a única forma dele expressar-se. Mais tarde, já no final
do século XIX, o cristianismo liberal começou a questionar que Jesus Cristo era
o cumprimento da religião, ou a expressão máxima do Deus imanente. Ernst Troeltsch
"esposou o pluralismo." Mesmo confessando que o cristianismo possui
"uma verdade e poder espiritual" e até a "manifestação da vida
divina em si mesma," Troeltsch concluiu que esse julgamento tem
"validade somente para nós." Outras civilizações também possuem seu
próprio acesso salvífico à vida divina, independentemente do cristianismo.5 Por
isso, no final do século passado e no começo deste século, começou a haver o
diálogo com as outras religiões e, até, uma tentativa de ecumenismo entre as
várias religiões do mundo, incluindo as não-cristãs.
Contudo, embora o pluralismo não tenha
nascido no período pós-moderno, ele floresceu e desenvolveu-se de maneira
impressionante no período pós-moderno, porque este é o período das
contestações, do abandono e da rejeição dos padrões e das crenças anteriores. O
pluralismo teve as suas portas destravadas no período moderno, e elas foram
escancaradas no período pós-moderno. Com essas coisas em mente, fica mais fácil
entender porque o pluralismo cresceu assustadoramente, mesmo em alguns círculos
chamados "cristãos," como veremos mais adiante. Foi no período
pós-moderno, portanto, que a cultura ocidental assimilou bem a idéia de outras
alternativas aceitáveis além do cristianismo.
II. As Diversas
Formas do Pluralismo Pós-Modernista
A. Pluralismo
Intelectual
As fontes do pluralismo intelectual
estão claramente relacionadas com o pós-modernismo, que se evidencia numa
cultura sem os seus absolutos. O modernismo capitulou diante do pós-modernismo.
Com este último, houve um colapso geral da confiança no Iluminismo, no poder da
razão para proporcionar os fundamentos para um conhecimento universalmente
válido do mundo, incluindo Deus. A razão falha em libertar a moralidade
correspondente ao mundo real no qual vivemos. E com este colapso da confiança
nos critérios universais e necessários da verdade, têm florescido o relativismo
e o pluralismo.6
Uma das ilustrações do pluralismo
intelectual pode ser vista na abordagem dos textos e de sua linguagem. Trata-se
de um método crítico do texto chamado Desconstrucionismo, que
virtualmente declara que a identidade e as intenções do autor de um texto são
irrelevantes para a interpretação do texto, antes de insistir que em qualquer
caso, nenhum significado pode ser encontrado nele. Todas as interpretações são
igualmente válidas ou igualmente destituídas de significado (dependendo do
ponto-de-vista de quem o analisa).7
Todas as pessoas podem ter as suas
próprias idéias com respeito ao texto lido. Ninguém pode reivindicar
exclusividade de verdade na sua interpretação.
O pós-modernismo afirma que a linguagem
não pode expressar verdades a respeito do mundo de um modo objetivo. "A
linguagem, por sua própria natureza, dá forma ao que pensamos. Visto que a
linguagem é uma criação cultural, o significado é, em última análise, uma
construção social."8 Os valores do pós-modernismo não são
pessoais, mas sociais, da cultura. O verdadeiro significado das palavras é
parte de um sistema fechado de uma cultura, que não faz sentido para uma outra
cultura.
Como seres humanos, não podemos escapar
da linguagem. Nossa linguagem está presa à nossa cultura, e não podemos pensar
por nós mesmos. As palavras pensam por nós. Portanto, para os
desconstrucionistas todos nós vivemos encarcerados na "prisão da
linguagem."9 A linguagem humana não contém qualquer verdade
absoluta. Então, tirando vantagem desse conceito, os pós-modernistas procuram
minar os muros dessa prisão, a fim de poder derrubá-los. Como fazem isso? A
única forma é tornar as palavras destituídas de sentido absoluto, dizendo que
elas expressam idéias escorregadias e mutáveis. Por essa razão, um texto não
pode conter uma verdade absoluta, pois o sentido que o autor quis dar a ele não
é importante. O importante é como quem lê o entende. Pessoas podem ter as mais
diferentes interpretações do mesmo texto, sem que isso constitua uma
contradição. A contradição existe se há a verdade absoluta, mas como não há,
não há contradição.
Os desconstrucionistas do
pós-modernismo procuram desenvolver uma "hermenêutica de suspeição" quando
lêem um texto. Eles abordam o texto não para encontrar a verdade absoluta nele,
uma verdade objetivamente descrita, mas para desmascarar o texto procurando
descobrir o que está escondido nele. Entendendo que a linguagem é detentora de
todo o poder, os desconstrucionistas procuram a libertação desse poder por
romper a autoridade da linguagem. "A hermenêutica da suspeição,
referida acima, vê cada texto como uma criação política usualmente designada
para funcionar como propaganda para o status quo."10 A
idéia dos desconstrucionistas é tirar o poder das palavras que formaram a
civilização ocidental criando os preconceitos de racismo, sexismo,
patriarcalismo, homofobia, imperialismo e a opressão econômica. A fim de
quebrar com essa sociedade doentia, o desconstrucionismo procurar retirar das
palavras o seu significado objetivo, dando-lhes uma interpretação subjetiva,
dependendo do entendimento de quem as lê.
Dá para imaginar o caos teológico
quando se aplica este método desconstrucionista aos textos da Escritura. Os
desconstrucionistas podem fazer o que quiserem para destruir o sentido que o
autor sacro quis dar às suas palavras, e, assim, acabam por desautorizá-las,
tirando-lhes o sentido de uma verdade objetiva. Cada leitor dos textos bíblicos
dá a sua própria interpretação, já que as palavras não possuem o significado
que o autor quis dar, uma vez que este, no pensamento dos desconstrucionistas,
é irrelevante. A interpretação está sujeita ao entendimento que o leitor tem
das palavras, de acordo com a sua própria formação cultural, já que palavras
são matéria de formação cultural.
B. Pluralismo
Religioso
O pluralismo religioso vigente na
sociedade contemporânea ocidental teve a sua origem em outros ismos filosófico-teológicos
nestas últimas décadas. Ele tem a ver intimamente com o relativismo e com um
pós-racionalismo do Iluminismo, que é o chamado pós-modernismo, além das
influências do orientalismo religioso.
Os pluralistas cristãos têm recebido
profundas influências das religiões orientais, especialmente do Budismo. Para
justificar suas idéias, os pluralistas cristãos usam uma parábola contada pelos
budistas sobre seis homens cegos e um elefante. Cada um desses homens cegos
apalpou o elefante vindo a conceber uma idéia diferente dele. O primeiro cego,
após apalpar o lado musculoso do elefante, chegou à conclusão de que ele era
como um muro. O segundo cego, após apalpar as pernas grossas e roliças do
elefante, protestou, dizendo: "Não, o elefante tem uma forma diferente.
Ele se parece com uma coluna. O terceiro abordou o elefante de uma forma
diferente. Após apalpar a tromba, disse: "Vocês dois estão enganados. O
elefante se parece com uma grande cobra." E, assim, cada um dos seis teve
uma concepção diferente do mesmo elefante. Todos falavam coisas bem diferentes,
mas todos estavam falando do mesmo elefante.
Os pluralistas cristãos têm usado esse
tipo de parábola para ilustrar a relação que tem havido entre o cristianismo e
as outras religiões não-cristãs. Todas elas têm abordagens diferentes a
respeito de Deus, mas todas estão falando da mesma coisa, sob perspectivas
diferentes. Todas têm óticas diferentes, mas estão falando do mesmo Deus. Se um
cristão afirmar que somente a forma do cristianismo oferecer a salvação é
correta, e não a das outras religiões, ele está se portando como um dos cegos
da estória que diz que somente a visão dele é correta e não a dos outros.
Portanto, a voz pluralista dentro de
alguns círculos cristãos é esta: nós devemos afirmar que Jesus Cristo é
Salvador, mas não podemos afirmar que Ele é a única forma de o
homem alcançar salvação. Ele é uma entre as muitas outras formas de o Deus
infinito revelar-se. Todas as tradições religiosas do mundo possuem aspectos
reveladores de Deus, que tomam vários nomes e conceitos nos mais variados
recantos do mundo. A Realidade Infinita (que é Deus) tem recebido várias
conotações: entre muitos do oriente ela é chamada de o grande Brahma,
que é mediado através de escrituras sacras; para os budistas, Nirvana,
é o caminho ensinado por Buda; para os muçulmanos, Allah é a
realidade final ensinada pelo grande e autoritativo Maomé; a Realidade Infinita
para os judeus é Yahweh, que se revelou maravilhosamente na Torá;
para os cristãos, é Deus, que se revelou em Jesus Cristo. E a lista
não termina por aqui. Muitas outras formas da realidade infinita poderiam ser
mostradas nas demais religiões orientais.
Como no pluralismo não existe a verdade
absoluta, nem existe uma religião verdadeira, o pluralismo religioso cristão
vigente em nossos dias manifesta-se de várias maneiras práticas com relação às
religiões não-cristãs.
Um pastor evangélico e professor de um
seminário protestante no sul da Índia, participando do funeral de um seu amigo
hindu, que ele chamou de "um funeral cristão-hindu," disse: "Em
meu breve discurso, eu referi-me à sua vida (do amigo morto) como um marido,
pai, avô, e amigo, mencionando que, embora tenha vivido na companhia de uma
família cristã, ele permaneceu fiel à sua herança hindu. Eu mencionei que,
assim como nós cristãos estamos comprometidos com a nossa fé, assim nossos
vizinhos hindus estão comprometidos com a deles, e que, portanto, deveríamos
respeitar as crenças e convicções uns dos outros."11 Nessa
cerimônia os hindus participaram lendo as suas convicções religiosas,
totalmente opostas às do cristianismo; mas num ambiente pluralista ninguém pode
reivindicar que está com a verdade absoluta. Todos têm as verdades, mesmo que
elas se contradigam. Assim é o pluralismo.
C. Pluralismo
Teológico
Em virtude da "mega-mudança"
havida no pós-modernismo em relação ao cristianismo pré-moderno, vários
pressupostos teológicos foram modificados no cristianismo pluralista. Eles são
evidentes nos vários ramos da teologia cristã, mas especialmente na cristologia
e na soteriologia (doutrina da salvação):
1. Na Soteriologia
O Deus do cristianismo, na soteriologia
pluralista, é um Deus de amor, e não poderia excluir da salvação os
não-cristãos pelo simples fato de eles não serem cristãos. O particularismo
soteriológico dos cristãos durante séculos tem sido questionado, porque agora
tem sido ensinado que a graça de Deus está disponível em todas as culturas que
não foram evangelizadas à moda antiga. A salvação vem através de outras formas
reveladoras de Deus, além daquela que veio em Cristo. As perguntas que os
pluralistas fazem são: Se a salvação está disponível apenas através de um
conhecimento de Jesus Cristo, isso implica que alguns povos possuem mais
privilégios que outros? É este o tipo de Deus misericordioso e amoroso que
vemos em Cristo Jesus? Não deveríamos nós ser mais otimistas a respeito da
graça salvífica de Deus, mesmo fora da proclamação da igreja?12
Com essas asserções, o grande axioma de
Cipriano, extra ecclesiam nulla salus ("fora da igreja não há
salvação"), defendido historicamente por católicos e protestantes, fica
destituído de significado, e a fé em Cristo deixa de ser o único meio para o
homem ser salvo.
2. Na Cristologia
Dentro da teologia dos pluralistas, a
cristologia fica na dependência da soteriologia. O grande pressuposto é que a
salvação tem outros caminhos, além do proposto pelo cristianismo tradicional.
Ora, se Jesus Cristo é apenas um caminho no processo da
salvação da humanidade, o elemento preponderante é a soteriologia, e a
cristologia vem cumprir apenas um dos propósitos redentores de Deus.
Jesus Cristo não pode ser a revelação
especial de Deus no sentido de a salvação depender dele unicamente. Há outras
revelações de Deus que são igualmente soteriológicas. Há outras formas de
salvação que não são concentradas em Jesus Cristo, segundo o ensino da
cristologia pluralista.
Esta segunda idéia está enraizada na
primeira, porque um Deus de amor não poderia deixar de fora outras nações não
evangelizadas. Por essa razão, outras formas de salvação são possíveis,
conforme o argumento pluralista.
D. Pluralismo
Ético-Moral
Este aspecto do pluralismo é o
resultado de todos os outros. A ética é a prática da teologia. E o pluralismo
do pós-modernismo não evita os tropeços dos anteriores. As últimas
conseqüências do pluralismo recaem sobre a ética.
Um dos maiores expoentes do
pós-modernismo intelectual de nossos tempos é Michel Foucault. Seu
pós-modernismo é refletido nas suas concepções éticas. Para Michel Foucault a
"verdade" do pré-modernismo e do modernismo sempre vem em favor do
poderoso. A "verdade" dá suporte aos sistemas de repressão por
identificar os padrões aos quais as pessoas podem ser forçadas a se conformar.
As coisas que são más ou criminosas não
dependem de um critério objetivo, mas dos padrões e interesses daqueles que
estão em autoridade, diz Foucault. Segundo o seu pensamento "cada
sociedade tem a sua ‘política geral de verdade’ que serve a seus interesses
pessoais. A ‘verdade’, dessa forma, serve os interesses da sociedade em
perpetuar a sua ideologia e em proporcionar uma justificação racional para a
prisão ou eliminação daqueles que vem a contradizer sua perspectiva
geral."13 Foucault se insurge contra esse tipo de moralidade
porque, segundo pensa, foi essa moralidade que governou o mundo até há pouco. E
o resultado é o caos moral em que vivemos. No mundo pré-moderno e no moderno
essa foi a ética, segundo Foucault. Por causa desses fatores Foucault crê que a
idéia da verdade objetiva ou moralidade deve ser desafiada. Não pode mais haver
uma verdade objetiva.
Contudo, como podemos saber o que é certo,
dentro do conceito pós-modernista? Obviamente, a verdade não pode ser deduzida
de um conjunto de crenças definidas a respeito do que é certo ou do que é
errado. Os pós-modernistas possuem uma aversão aos padrões normativos gerais de
comportamento. A raiz do pensamento ético do pós-modernista se evidencia nestas
palavras de Rorty:
·
· Não há nada bem profundo dentro de nós, a
menos que nós mesmos o tenhamos colocado; não há nenhum critério que nós mesmos
não tenhamos criado no curso de formar uma prática; não há nenhum padrão de
racionalidade que não seja um apelo a tal critério; não há nenhuma argumentação
rigorosa que não seja a obediência às nossas próprias convenções.14
Os pós-modernistas rejeitam não somente
as leis objetivas de moral, como as leis morais interiores gravadas por Deus em
nossos corações, conforme Paulo menciona em Romanos 2.11-15. Nessa concepção
pós-modernista, o homem acaba sendo amoral. Não existe nada nele que o leve a
reconhecer o certo ou o errado. As leis da "segunda tábua" não são
conhecidas do homem. Tudo o que ele faz em termos morais tem nascedouro no meio
em que ele vive e nas decisões morais que faz. Contudo, essas decisões não têm
nada a ver com o que ele é, e, sim, com o que ele deseja e resolve ser.
A ausência dos padrões objetivos que
determinam o que é certo ou errado tem causado um enorme caos moral nesta nossa
sociedade. Por causa da ausência de paradigma objetivo, as mudanças éticas têm
sido mega-mudanças:
1. Ética Sexual
A homossexualidade não tem sido mais
concebida como um problema psicológico-moral; a homofobia, sim.15 Convencidos
de que não há uma verdade objetiva, os pós-modernistas ensinam que os valores
devem ser criados pelas próprias pessoas. Dessa forma, os princípios éticos
pós-modernistas passam a seguir a "norma" estabelecida pelo líder do
conjunto de Rock "Sex Pistols," Johnny Rotten: "Se nada é
verdadeiro, tudo é possível."16 Onde não há as leis básicas de
Deus, os homens entram numa situação anárquica ética e moralmente. Por essa
razão, Dostoievsky disse: "Se Deus está morto, tudo é permitido."17
Com isso, o sexo praticado fora do
casamento e nas formas mais deturpadas tem sido estimulado como uma aventura a
ser experimentada, uma espécie de variação daquilo que tradicionalmente é
feito. Desde a década de 60, com a revolução sexual, a permissividade tomou
conta da juventude, e veio a tornar-se um "direito" aquilo que antes
era considerado uma transgressão moral.
A inversão dos padrões morais têm
acontecido não somente no mundo secular, mas também dentro das igrejas
evangélicas de linha conservadora. Muitos cristãos solteiros têm praticado sexo
fora do casamento e antes do casamento. Em recente pesquisa feita entre
"fundamentalistas" e "liberais" verificou-se que a prática
de sexo fora e antes do casamento era de 56% entre os primeiros e 57% entre os
últimos.18 Fica claro que as convicções religiosas não alteraram
muito o resultado da pesquisa. O que importa aqui é o espírito do
pós-modernismo de tolerância ética que tem invadido o mundo evangélico.
2. Aborto
Nos tempos pré-modernos e na
modernidade, o aborto era uma questão praticamente fechada. A provocação da
morte de uma criança no ventre materno era considerada uma coisa horrível, um
mal simplesmente inadmissível. Com o advento do pós-modernismo, onde a verdade
absoluta está ausente, o aborto se tornou, não somente legal em muitos países,
como também uma prática aceitável, como um direito constitucional que a mulher
tem sobre o seu corpo. Ela é quem decide abortar ou não. É o direito individual,
sem a preocupação com qualquer verdade moral pré-estabelecida. A verdade de
Deus não é levada em conta. Essa é a ética que tem sido assimilada. Cerca de
49% de protestantes e 47% dos católicos nos Estados Unidos aceitam a prática do
aborto.19 No Brasil a lei ainda impede o aborto (exceto em casos
onde a saúde da mãe está em jogo e em caso de estupro), mas a prática tem
mostrado que nosso país tem sido campeão no número de abortos.
Os programas de entrevistas mais
assistidos de nossa televisão refletem exatamente essa ética permissiva. Cada
um pensa o que quer eticamente porque não há padrões estabelecidos. O
"correto" eticamente depende do seu ponto-de-vista que deve ser
respeitado. Ninguém tem o direito de dizer o que é ética ou moralmente correto.
III. As
Pressuposições Gerais do Pluralismo Pós-Modernista
O pluralismo tem várias grandes
pressuposições que controlam todo um conjunto de idéias inclusivistas:
A. O Abandono da
Arrogância Cultural e Teológica
A primeira grande pressuposição é que,
segundo a abordagem pluralista, todas as religiões têm que abandonar a sua
arrogância teológica. Nenhum grupo religioso pode jactar-se de ser superior ao
outro em termos de verdade, porque a religião está associada à cultura. E não
existe uma cultura superior à outra. Todas são igualmente boas.
Segundo posso perceber, o cristianismo
é altamente relevante na sociedade contemporânea, não para levantar novamente a
bandeira do intelectualismo, mas para mostrar a racionalidade da fé cristã,
para trazer de volta os fundamentos da sociedade e da moralidade, e para
responder a questões que só o cristianismo pode responder. Contudo, convicções
como a minha têm sido continuamente questionadas hoje. Num contexto pluralista
em que vivemos, ninguém pode dizer uma coisa dessas da sua própria religião.
Tudo é relativizado. A crença básica do pluralismo está expressa nestas
palavras de McGrath:
·
· Todos os sistemas de crença devem ser
considerados como igualmente plausíveis. Alguma coisa é verdadeira se ela é
verdadeira para mim. O cristianismo tem se tornado aceitável porque é crido ser
verdadeiro por alguns, não porque ele é verdadeiro.20
A grande dificuldade que a fé cristã
enfrenta é na área da apologética, que é o departamento da teologia que
reivindica a verdade do cristianismo. O cristianismo certamente reconhece que é
a única religião verdadeira, pois crê numa religião revelada pelo único Deus.
Mas num mundo de pós-modernismo, não há lugar para a apologética. McGrath faz
algumas observações cruciais: Como podem as reivindicações de verdade do
cristianismo ser tomadas seriamente, quando há muitas alternativas rivais e
quando a "verdade" em si mesma tem se tornado uma noção esvaziada?
Ninguém pode reivindicar a posse da verdade. É tudo uma questão de perspectiva.
Todas as reivindicações da verdade são igualmente válidas. Não há nenhum ponto
de vantagem privilegiado que permita alguém decidir o que é certo e o que é
errado.21
Segundo o princípio pluralista, a fé
cristã tem que se contentar em ser apenas mais uma entre as muitas alternativas
religiosas neste mundo pós-modernista. A fé cristã não pode jactar-se de ser a
única detentora da verdade. O orgulho teológico do cristianismo deve ser
combatido.
B. A Ausência da
Verdade Absoluta
A segunda grande pressuposição do
pluralismo religioso é a ausência da verdade absoluta. Não existe a
verdade, mas verdades. A verdade é alguma coisa subjetiva, na mente de quem
interpreta um texto, mas não no texto propriamente. A verdade está na forma
como eu a vejo, mas não objetivamente. O que é verdade para mim pode não ser
verdade para outra pessoa. Por essa razão, ninguém pode reivindicar estar com a
verdade objetivamente. Ela não está em nenhum lugar que não seja na mente do
indivíduo. O pós-modernismo tem sido caracterizado por "uma aversão
endêmica pelas questões da verdade."22
A verdade pode estar em dois sistemas
políticos e econômicos totalmente opostos. Algumas pessoas podem aceitar a
democracia e outros o totalitarismo. Ambos podem estar com a verdade porque a
verdade é reconhecida quando ela é aceita por um grupo, mas não existe verdade
absoluta ou objetiva. O fato é que estamos convivendo nesta nossa geração com
"verdades" antitéticas; convivendo com concepções opostas igualmente
"verdadeiras."
Assim, na concepção pluralista, nenhuma
religião, inclusive o cristianismo, é a depositária da verdade. Não existe a
idéia de definição: este versus aquele. Não deve haver, em
hipótese alguma, a definição de estar num lado ou no outro, como se somente um
dos lados estivesse com a verdade. A verdade está com todas as religiões, e não
é propriedade de uma só. Há uma relativização histórica das
verdades do cristianismo.
Para os pluralistas, são altamente
criticáveis aqueles que postulam um só padrão de verdade. Todos aqueles que se
insurgem contra a crença pós-modernista de que "não há absolutos"
ficam fora dos cânones da tolerância. O erro dos cristãos, por
exemplo, segundo os pós-modernistas neste mundo pluralista, é crer na verdade
absoluta.
C. A Autoridade da
Experiência Religiosa
A terceira grande pressuposição
embutida no pluralismo pós-modernista é a de que a experiência
religiosa de todas as tradições deve ser fonte de autoridade.
O pós-modernismo tem sido caracterizado
pela ausência da verdade objetiva, como já foi mencionado acima, e isto leva a
um paradigma altamente subjetivo. O pós-modernista Steven Connor, diz que
"desde a música ao turismo, à TV e mesmo à educação, todas estas coisas
são imperativos da propaganda, e que o consumidor não quer mais aquilo que é
bom, mas ele quer experiências."23 Essa força da experiência
como algo de suprema importância tem atravessado as barreiras do mundo chamado
"secular." Ela tem entrado no terreno da teologia prática. Muitos
segmentos do cristianismo pós-moderno têm mudado o paradigma básico da busca da
verdade objetiva da Palavra de Deus para a "verdade" da experiência.
Se o paradigma da verdade de Deus não é levado em conta, e aceitamos o
paradigma da experiência, não poderemos negar as experiências de outros grupos
religiosos não-cristãos como válidas e como fonte autoritativa.
O cristianismo moderno tem enfatizado a
experiência com Cristo Jesus como base de sua fé. Se a experiência dos cristãos
é fundamento para a sua fé, não se pode negar às outras tradições o mesmo
critério. Uma das coisas mais profundas nas religiões não-cristãs é a
experiência religiosa como um fenômeno indiscutível. Às experiências de outras
religiões também deveria ser permitido o mesmo status pelos
pluralistas cristãos, para poderem ser coerentes. Muitíssimos religiosos
muçulmanos e budistas têm reivindicado experiências salvadoras, confortadoras e
que lhes têm trazido paz, e estas experiências deveriam ser levadas em conta
pelos "experiencialistas" evangélicos, ao mesmo nível das
experiências cristãs.
O pluralismo pós-modernista apoia
totalmente esta mega-mudança nos círculos cristãos. O objetivo do
pós-modernismo tem sido alcançado, porque essa mudança anula o princípio básico
da verdade ensinada objetivamente.
D. A Presença de uma
Nova Teoria Missiológica
A quarta grande pressuposição do
pluralismo religioso é a necessidade de uma nova forma de "missão."
A missiologia do pluralismo rompe
totalmente com o conceito missiológico vigente, até então, dentro da esfera do
cristianismo. Ninguém pode tentar convencer outras pessoas a se tornarem
cristãs, porque o caminho para a salvação pode ser encontrado dentro de todas
elas. Os missiólogos do pluralismo parecem aceitar a tese de Ghandi, que disse:
"Na esfera da política, do social e da economia, podemos estar
suficientemente certos de converter pessoas, mas no reino da religião não há
certeza suficiente de se converter ninguém e, portanto, não pode haver
conversão nas religiões."24 A ênfase não é mais à obra
perdoadora singular de Jesus Cristo, porque temos que respeitar as tradições
religiosas em nossa obra missionária, sem tocar nos pontos onde diferimos.
Todas as tradições religiosas culturais têm os seus valores salvíficos.
Portanto, não há mais necessidade de conversões!
A nova forma missionária é uma espécie
de colaboração internacional de um povo para com outro, na esfera social,
econômica e educacional, mas sem interferir nos costumes, hábitos e moral dos
povos onde se faz a obra missionária. Não se deve alterar as crenças dos povos.
Esse pressuposição missiológica do pluralismo é, de certa forma, relacionada
com a pressuposição que vem a seguir.
E. A Religião é
determinada pelo lugar de nascimento
A quinta grande pressuposição do
pluralismo religioso é que a religião de uma pessoa deverá ser a religião
dominante do lugar onde ela nasceu. Em outras palavras, se alguém nasce em
terras onde o islamismo prevalece, essa pessoa tem que ser muçulmana. Gavin
D’Costa relaciona essa idéia com o que ele chama de "paroquialismo
cultural."25 É a cultura religiosa de um lugar que determina a
religião dos que ali nascem. A conseqüência de se aceitar esse pressuposto é a
noção de que a verdade é uma matéria simplesmente de nascimento.26 Essa
pressuposição também esvazia o conceito de missão em terras estrangeiras ou
transculturais.
IV. Os Perigos
do Pluralismo Pós-Modernista
A. Perigo da
Inconsistência de Princípios
A tentativa dos pós-modernistas é de
desmantelar todos os sistemas construídos anteriormente. Todos os paradigmas do
passado têm que ser destruídos. Aquilo que era central tem que ir para a
periferia e as coisas periféricas do passado têm que estar no centro. No
pós-modernismo as minorias têm tido a prioridade. Agora é o tempo dos direitos
de todos os marginalizados pelo pré-modernismo teológico e ético. Agora é a vez
daqueles que têm sido vítimas da opressão, isto é, os terceiro-mundistas, os
negros, os "gays," as feministas, etc. Agora é a vez deles mostrarem
o seu poder, que até agora esteve nas mãos daqueles que controlaram a ética e a
moral. Em outras palavras: os cristãos da ortodoxia estão sendo questionados na
sua verdade. Agora, outras "verdades" do "cristianismo marginalizado"
anteriormente (oprimidos, negros, mulheres e outras minorias) estão aparecendo.
As coisas que os pós-modernistas
criticam no pré-modernismo e no modernismo eles acabam fazendo. Aqueles que
construíram a sociedade ocidental, são chamados de "Eurocentristas."
A civilização ocidental está sendo destroçada pelo pós-modernistas. Mas o que
eles estão construindo? Agora, a atenção é para um "Afrocentrismo,"
que tem exaltado a África como sendo o pináculo da civilização.27 Se
o Eurocentrismo é condenável, o Afrocentrismo, também. A fim de descrever a
inconsistência crítica do pós-modernismo uso aqui um linguajar mais popular: É
como desvestir um santo para vestir outro, ou sair do mato para entrar na
capoeira. Acabam fazendo aquilo que criticam.
A mesma inconsistência ocorre na
teologia. O feminismo tem lutado contra a sociedade masculinamente orientada, e
a tem substituído por uma sociedade feministicamente orientada. As religiões
patriarcais como judaísmo e cristianismo têm sido questionadas, e a tendência é
substitui-las por religiões matriarcais. Ao invés de adorarem Ele,
estão adorando Ela. Não é Deus, mas deusa. Se o sistema patriarcal
é errôneo, porque o matriarcal seria certo? É apenas uma troca de poder, nada
mais.
Dá para perceber que não é simplesmente
a verdade que está em jogo, mas também o poder. Esses novos modelos apenas dão
poder aos que foram marginalizados pelo sistema anterior. Os pós-modernistas
acabam tropeçando naquilo que criticam.
B. Perigo da
Inconsistência Teológica
Há muitos pastores evangélicos que não
estão percebendo o grande perigo da inconsistência teológica, que é produto
direto do pluralismo em que vivemos. Como não podemos dizer que existe uma
verdade absoluta, temos que conviver com várias "verdades" na mesma
comunidade. Cada um se adapta àquela que lhe convém. Não é difícil encontrar
pastores e membros de igrejas em geral que aceitam princípios contraditórios em
sua teologia. Eu já encontrei pessoas que afirmavam crer na inerrância da
Escritura, em algumas doutrinas eminentemente reformadas e, ao mesmo tempo,
tinham simpatia pela doutrina da reencarnação. Pessoas assim não conseguem
perceber a inconsistência desse tipo de crença.
Não é difícil encontrar pastores que
ensinam a doutrina calvinista em suas igrejas e, ao mesmo tempo, ensinam ou não
fazem nenhuma objeção que se ensine nas mesmas igrejas os princípios do
arminianismo. Eles não vêem nenhum problema com isso. É uma inconsistência
produzida pelo pluralismo vigente em nossos dias. Não existe uma verdade
absoluta. Tudo pode ser relativizado. Na presente geração de pastores, muitos
não possuem solidez e consistência teológica.
Alguns pastores mostram essa mesma
inconsistência inclusive nas suas crenças cúlticas. Eu conheço pastores que,
para satisfazer os mais variados gostos, dirigem cultos em horários diferentes
com os mais diversos sabores para as diferentes faixas etárias e teológicas.
Eles são os protagonistas das duas posições extremadas, sem que isso os
perturbe. Eles dirigem ambos os cultos com a mesma naturalidade. Amoldam-se aos
mais variados gostos teológicos e cúlticos, sem ver qualquer inconsistência em
seu comportamento. A minha finalidade não é condenar esta ou aquela forma, mas
mostrar a inconsistência desses pastores. São capazes de fazer coisas
diametralmente opostas sem qualquer noção de inconsistência.
Uma parte da nova geração de pastores
que está sendo formada em muitos seminários vem sendo atacada pelo
pós-modernismo, e ela não percebe isto. Esses ministros não conseguem mais
pensar sistematicamente. Eles perderam a capacidade de ser consistentes nos seus
pensamentos. Eles gostam da Bíblia, mas ao mesmo tempo são capazes de ter
simpatia pelos pensamentos de Paulo Coelho.
Temos que evitar o perigo da
inconsistência teológica. Temos que assumir a nossa identidade doutrinária com
as devidas cores. Não podemos ser camaleões, assumindo a cor do ambiente onde
estamos. Temos que lutar contra as inconsistências teológicas em nosso mundo
pluralista.
C. Perigo da
Inconsistência Ética
Esta é o resultado da primeira. Alguns
pós-modernistas mais honestos conseguem perceber uma inconsistência ética no
seu comportamento. É comum vermos pós-modernistas negando a verdade absoluta e,
ao mesmo tempo, lutando pelos "direitos humanos" ou pelo
estabelecimento da "justiça," especialmente nos países do terceiro
mundo.
Os pós-modernistas acabam caindo na
inconsistência de aceitar verdades universais para resolver situações
específicas. Eles aceitam regras gerais de coletividade ética, mas afirmam não
existir padrão de verdades. No fundo, o ser humano não consegue negar as verdades
fundamentais da vida, porque elas estão impressas em seu coração, mesmo naquele
que ainda não é regenerado. Essa talvez seja uma explicação para a sua
inconsistência ética.
D. Perigo do
Pragmatismo
Quando os pós-modernistas se insurgem
contra os modelos existentes, eles os derrubam e tentam construir outros, mesmo
que inconsistentemente. Por que eles fazem assim? Seria simplesmente pelo poder
que as classes anteriormente marginalizadas vem a possuir? Não. Um pesquisador
pós-modernista muito conceituado reconheceu que o alvo da erudição
pós-modernista é:
·
· Não mais verdade, mas realização — não mais
aquela pesquisa que conduz à descoberta de fatos verificáveis, mas aquela
espécie de pesquisa que funciona melhor, onde o funcionamento melhor significa
produzir mais... A universidade ou a instituição de ensino não pode nestas
circunstâncias estar preocupada em transmitir conhecimento em si mesmo, mas ela
deve estar presa sempre mais estreitamente ao princípio da realização — de
forma que a questão levantada pelo professor, pelo estudante ou pelo governo,
não deva ser mais esta: Isto é verdadeiro?, mas Funciona? ou Qual
é o proveito disso?28
Enquanto que nas academias do
pré-modernismo e do modernismo buscou-se a verdade objetiva através da
pesquisa, nas academias do pós-modernismo procura-se "o que
funciona." Enquanto o mundo acadêmico tradicional primava pela busca da
verdade através da pesquisa, a academia pós-modernista procura fazer o que é
politicamente correto, não se importando se o politicamente correto tem a ver
com a verdade.
Este pragmatismo do pós-modernismo
ensinado nas universidades é refletido nas questões teológicas e práticas da
Igreja. As pessoas não estão preocupadas com a verdade na Igreja, mas se os
resultados aparecem; muitos ministros têm sacrificado a verdade em nome da performance,
em benefício dos resultados. Funciona? Então, o método é aplicado.
O pragmatismo vem estreitamente ligado
à experiência que funciona. O perigo do pragmatismo é que a experiência
funciona para os outros também. Geralmente, em jantares de homens de negócios
ou em chás promovidos por mulheres cristãs, sempre alguém é convidado para
testificar de como Jesus funciona para nós e como tem sido muito gostoso ter
uma experiência com Jesus. A testemunha diz: "Jesus foi uma experiência
muito boa para mim. Funcionou para mim." Uma pessoa não cristã presente no
auditório, pode perfeitamente afirmar: "As experiências da Nova Era para
mim foram extraordinárias. Funcionaram para mim." Quando isto acontece, ninguém
poderá contestar, porque o paradigma é a experiência que funciona. Nenhum
cristão pode convencer alguém de que a experiência com Cristo é melhor do que a
da Nova Era, ou de outra religião qualquer. É esse perigo que podemos enfrentar
quando revertemos o paradigma do conhecimento da verdade objetivamente revelada
para o da experiência que funciona. Se você tentar explicar que a sua
experiência que funciona está baseada na Bíblia, as pessoas retrucarão que não
crêem num paradigma objetivo. Este é o grande perigo que o pós-modernismo traz.
A igreja que evangeliza deve ter os
olhos abertos para esse perigo. Os que testificam de Cristo têm que encontrar
um ponto comum de referência, a fim de que as pessoas de mentalidade
pós-modernista possam ouvi-lo. É muito difícil testificar para pessoas que
crêem que a verdade é relativa, pois o que funciona para uns, não funciona para
outros e vice-versa.
Um outro grande perigo do pragmatismo é
que ele só vê os resultados. É uma espécie de marketing cristão.
Neste barco muitos ministros e igrejas cristãs têm entrado. Por essa razão, o
planejamento deles é o de resultados, não o de trabalho. Esse é um perigo do
pós-modernismo para o qual precisamos estar atentos. Na perspectiva cristã a
primeira coisa a ser levantada é a verdade, é o parâmetro objetivo. Depois, os
resultados aparecem. E os resultados não têm muito a ver conosco, mas com a
obra do Espírito. Deus mandou que trabalhássemos, plantando, regando e
colhendo, mas o fruto do crescimento vem dele.29
E. Perigo do
"Sentimentismo"
A mudança do modernismo para o
pós-modernismo trouxe uma mudança de ênfase na faculdade da alma que controla o
ser humano. No modernismo, houve grande ênfase na supremacia da razão. Aliás,
em vários períodos da história humana houve uma oscilação do pêndulo entre a
razão e a vontade como elementos dominantes na personalidade humana.
Curiosamente, neste período pós-modernista a ênfase tem caído no sentimento.
Como a razão foi a medida de todas as coisas no modernismo, o sentimento tem
sido a medida neste nosso tempo pós-moderno. O sentimento das pessoas tem sido
o parâmetro para as resoluções a serem tomadas. Não há mais a ênfase no juízo
da razão. O "sentir" é a força que tem impulsionado a tomada de
decisões na vida.
Com o abandono das verdades absolutas,
não há parâmetros objetivos a serem seguidos. Contudo, o ser humano tem sempre
que possuir um paradigma, porque ele é dependente de algo a que seguir. O
parâmetro passa a ser o sentimento. Daí começou a surgir a teologia do
"sentir-se bem." Então, oferece-se aquilo com que as pessoas
sentem-se bem e gostam. Este espírito é evidenciado na frase comum ouvida de
muitas pessoas: "Eu não gostei daquele tipo de culto," ou "eu
não me senti bem naquela igreja." As pessoas são governadas pelo
"sentir" antes do que pela orientação de uma verdade objetiva. Este
sentimentismo gera um outro perigo: o do consumismo teológico e litúrgico.
F. Perigo do
Consumismo Teológico
O pluralismo pós-modernista traz
conseqüências imperceptíveis a muitos paladares. Uma delas é o consumismo em
que vivemos em todas as áreas. Tudo tem a ver com a falta de verdade objetiva,
absoluta. Todas as áreas são tratadas na esfera do comercialismo. O que se
vende tem que ser de acordo com os mais variados paladares dos consumidores.
"O pós-modernismo encoraja uma mentalidade de consumismo, fornecendo às
pessoas o que elas gostam e querem."30 Esta mentalidade tem
atingido a esfera da teologia e da liturgia. Quando a verdade objetiva e
absoluta não existe mais, as teologias e liturgias passam a refletir o gosto do
tempo presente. A teologia acompanha as filosofias vigentes. É curioso notar
que, após a entrada do período pós-moderno, muitas teologias e liturgias têm
surgido no cenário religioso, uma após outra, como os produtos de um
supermercado. Elas fazem sucesso por algum tempo e, depois, outra surge para
substituir o produto anterior. Há uma sede de novidade quase incontrolável. Não
há nada que dura para sempre. Por que? Porque não há verdade absoluta.
Charles Colson adverte sobre o
consumismo na igreja porque ele dilui a mensagem, muda o caráter da igreja,
perverte o evangelho e nega a autoridade da igreja.31
G. Perigo da Mudança
da Pregação
O perigo do consumismo teológico trouxe
este outro. As palavras na teologia vêm perdendo o seu significado, justamente
por causa da mudança constante das teologias. Cada uma delas dá uma conotação
diferente aos termos teológicos tradicionais, ou usam novos termos para
expressar os seus conceitos.
Colson conta-nos de uma igreja evangélica
que decidiu crescer em número de membros. Então, o pastor fez uma espécie de
pesquisa de mercado. Descobriu que muitas pessoas tinham resistência ao termo
"Batistas." A igreja resolveu mudar de nome. A pesquisa mostrou que
as pessoas estavam procurando uma igreja de acesso fácil. Então, eles mudaram o
local de reunião, construindo um novo templo. A pesquisa também mostrou que as
pessoas estavam procurando conforto e comodidade. Então, eles construíram o
templo com todas as coisas apontando para o conforto. Também a pesquisa mostrou
que as pessoas não queriam símbolos religiosos no templo. Então, tirou a cruz e
os outros símbolos cristãos que pudessem fazer as pessoas desconfortáveis.
Afinal de contas, as pessoas é que escolhem o tipo de igreja que querem.
Por essa razão, o pastor veio a
descobrir que tinha que mudar o uso da linguagem teológica. Ele resolveu mudar
o vocabulário comum da teologia. Esse pastor disse: "Se eu usar as
palavrasredenção ou conversão, as pessoas vão pensar
que estamos falando a respeito de prisão." Ele parou de pregar sobre o
inferno e sobre a condenação divina, resolvendo falar sobre tópicos mais amenos
e positivos, compatíveis com o espírito do tempo presente. "As pessoas não
mais gostam de doutrina nos dias de hoje," raciocinam esses pastores. Nem
as pessoas do tempo presente gostam de "faça isto" ou "não faça
aquilo."32 Quando as pessoas desprezam o verdadeiro sentido das
palavras, não fazendo caso da doutrina, certamente a sua ética também será
alterada. Este é o grande postulado do pós-modernismo: mudar os conceitos
mudando as palavras. Ao invés de pregar a redenção que há em Cristo Jesus
levando as pessoas ao arrependimento de seus pecados e à fé em Cristo, os
pregadores entregam mensagens cujo objetivo é fazer com que seus ouvintes
sintam-se bem, expressando a religião de uma cultura terapêutica. A tônica do
nosso tempo é fazer com que as pessoas sintam-se psicologicamente bem,
satisfeitas consigo mesmas. O importante é o bem-estar, não a verdade. Esta não
é levada em conta, porque tudo é relativo. Não existe verdade absoluta. Este é
o valor controlador do pluralismo do pós-modernismo. A maioria dos líderes
religiosos que aceitam o pluralismo pensa assim. Líderes cristãos estão
embarcando neste perigo do pós-modernismo.
Não é raro encontrar líderes
evangélicos no Brasil desviando os crentes da verdadeira mensagem de redenção,
convertendo-a numa redenção para o aqui e o agora. Muitos ouvintes de pregações
modernas não mais são dirigidos para um interesse genuíno no céu, ou na nova
terra (como prescreve a Santa Escritura), mas são direcionados para ter o céu
aqui neste tempo presente. Por isso a pregação que eles ouvem diz respeito a
milagres, a promessas de prosperidade, de libertação da opressão, de sucesso ou
de crescimento numérico, uma espécie de teologia da glória neste presente
mundo. Esses pregadores se esquecem de que antes da glória, eles têm que pregar
a teologia da cruz, da negação de nós mesmos, lutando contra os nossos próprios
pecados. É dessa redenção que a Escritura fala, a qual precisamos pregar.
H. Perigo da Mudança
de Modelo Teológico
Essa mudança no foco da pregação tem
sido o resultado de uma mudança ainda maior chamada de "mega-mudança"
devido à sua enorme influência no pós-modernismo.33 É a mudança da pregação
do protestantismo clássico do pré-modernismo para a pregação do pós-modernismo,
dando origem a um entendimento totalmente diferente do que realmente significa
o evangelho de Cristo. Michael Horton explica essa mega-mudança através de uma
série de contrastes nos dois cristianismos: o pré-moderno e o pós-moderno:34
1. Deus 35
Enquanto o cristianismo pré-moderno
enfatiza a transcendência de Deus e sua imutabilidade, onipotência e
onisciência, o modelo do cristianismo pós-modernista enfatiza a imanência de
Deus, que é dinâmica, capaz de mudança, e em parceria com a sua criação.
2. Pecado 36
Enquanto o cristianismo pré-moderno vê
o problema do homem como tendo origem na queda de Adão, tendo como resultado a
culpa e a conseqüente corrupção, e o pecado como sendo uma condição, o
cristianismo pós-modernista nega a queda universal. Os homens não são culpados
por causa da queda de Adão. O pecado não é uma condição, mas um ato
simplesmente.
3. Cristo
Enquanto o cristianismo pré-moderno
ensina que a morte expiatória de Cristo é uma morte substitutiva para mostrar
como Deus nos ama, enviando alguém de si próprio para morrer em nosso lugar, o
cristianismo pós-modernista ensina que a morte de Cristo não foi um sacrifício
substitutivo, mas um exemplo para nós. Morrendo, Jesus mostrou como devemos
amar uns aos outros. Quanto mais percebemos o seu sofrimento na cruz, mas
podemos sentir o amor de Deus por nós. Isto muda as nossas vidas e nos faz amar
uns aos outros, segundo o pensamento pluralista.
4. Salvação
Enquanto o cristianismo pré-moderno
ensina que não há salvação à parte da obra expiatória de Cristo e sua
conseqüente fé nele, o cristianismo pós-modernista postula que muitos serão
salvos à parte de Cristo, e que o Espírito Santo poderá trazer salvação mesmo
aos que não conhecem a Cristo.
5. Escatologia
Enquanto o cristianismo pré-moderno crê
no ensino bíblico sobre a condenação final dos homens, que serão lançados na
segunda morte, estando para sempre debaixo da ira divina, o cristianismo
pós-moderno ensina que Deus não pode lançar o homem na condenação, pois é um
Deus de amor, e não lançará na condenação aqueles que são ignorantes da fé
cristã. O cristianismo pré-moderno ensina que o eterno estado dos homens é no
céu ou no inferno. O pós-modernista ensina que todos vão para o céu ou que, no
mínimo, os ímpios serão aniquilados.
Essa mega-mudança é plenamente
aceitável porque combina com os pressupostos do pluralismo vigente em nossos
dias. O cristianismo pré-moderno é exclusivista, enquanto que o cristianismo
pós-moderno é inclusivista. A fim de estar alinhado com o pluralismo, o
cristianismo pós-modernista tem que estabelecer essa mega-mudança. Do
contrário, seria excluído do grande guarda-chuvas do pluralismo.
Essa mega-mudança reflete todos os
princípios pós-modernistas: a rejeição dos absolutos; a desconfiança na
transcendência; a preferência pela "mudança dinâmica" em vez da
"verdade estática"; o desejo pelo pluralismo religioso de modo que as
pessoas de outras culturas e religiões sejam salvas; a rejeição da autoridade
divina sobre nós; o tom de tolerância, sentimentos aquecidos e psicologia
popular.37
V. Os Desafios da
Igreja no Pluralismo Pós-Modernista
Há três saídas para o cristianismo do
século XXI: continuar no pós-modernismo relativista; voltar ao fundamentalismo
racionalista; ou voltar mais atrás ainda, ao fundamentalismo
religioso.38
Há os que têm tentado voltar ao
fundamentalismo racionalista, que é o modernismo. Esses têm percebido a nefasta
influência do pós-modernismo, e querem os princípios do Iluminismo de volta ao
século XXI, reinstalando o modernismo. Na esfera da religião, o domínio da
razão já acabou. Em termos religiosos, essa volta seria a reimplantação da
teologia liberal, que é fruto do modernismo. Seria uma tolice voltar a esse
tempo, pois é a negação de toda a sobrenaturalidade e intervenção de Deus.
Há ainda aqueles que querem continuar
com o status quo do pós-modernismo, tendo as mais variadas
opções que o pluralismo conseqüente traz, sobre as quais já estudamos. A igreja
vive inquestionavelmente num mundo pós-moderno e ela deve aceitar essa verdade.
Há um sentido em que devemos nos alegrar pelo fato do pós-modernismo ter
criticado o modernismo, pois este foi extremamente prejudicial para a vida da
igreja, mas o pós-modernismo traz consigo vários perigos contra os quais
devemos estar avisados.
Contudo, deve haver, o quanto antes
possível, a volta aos princípios do cristianismo pré-moderno. Não é uma volta
ao tempo, mas aos princípios originais que nortearam a vida da Igreja antiga,
por séculos. Não é um retrocesso, mas um progresso para o que é santo, justo e
verdadeiro.
O cristianismo não deve somente voltar
aos princípios da religião pré-moderna, com suas crenças, mas ele deve ser a
melhor opção para as pessoas de nossa sociedade. A fim de que o cristianismo
seja essa opção, ele tem que colocar as coisas em ordem. Para que o cristianismo
seja essa opção, ele não precisa sucumbir ao liberalismo teológico do
modernismo, porque ele mostrou-se ineficiente para resolver os problemas mais
fundamentais do homem; nem precisa o cristianismo atender às reivindicações do
pluralismo do pós-modernismo. Alguns setores evangélicos sucumbiram aos apelos
da mega-mudança da cultura de nosso século. Foram engolidos pelo encanto do
pós-modernismo. Hoje não sabem como safar-se dessa situação. O pós-modernismo
tem colocado as pessoas num beco sem saída. Não há uma mensagem redentora,
porque não há uma verdade objetiva. As pessoas não têm um norte para seguir,
porque não existe paradigma confiável.
Qual é a saída para o cristianismo
pós-moderno? O que fazer? Há vários desafios a serem aceitos:
A. O desafio da volta
à verdade objetiva
Por verdade objetiva, estou querendo
dizer um código de leis sob o qual o ser humano tem que pautar a sua vida.
Todavia, que não seja um código de leis nascido nos próprios interesses ou na
subjetividade do ser humano. Esse código tem que ser o de Alguém que possui
supremacia sobre o homem — o Criador-Redentor-Rei.
Esta é a primeira grande coisa que foi
perdida nesta nossa sociedade pluralista. Ela tem que ser recuperada a qualquer
custo, ou nunca o cristianismo será aquilo que o seu Redentor é: Verdade.
O mundo pré-moderno e o moderno
possuíam uma verdade objetiva. O primeiro cria em verdades transcendentais,
enquanto que o segundo não; mas ambos criam em padrões, mesmo que diferentes. O
pós-modernismo luta contra a verdade objetiva. Para ele não existe padrão
absoluto de verdades.
A nota triste é que muitas comunidades
cristãs estão aceitando alguns princípios pós-modernistas, rejeitando a
objetividade da verdade. Leith Anderson, disse que "temos uma geração que
está menos interessada em argumentos cerebrais, pensamento linear, sistema
teológico, e mais interessada em encontrar o sobrenatural."39 O
resultado dessa nova tendência é que muitos ministros de igrejas cristãs vêm
operando com um novo paradigma de espiritualidade. As verdades objetivas e
logicamente formuladas não têm mais lugar no pensamento deles.
O que vale agora é a experiência com o
sobrenatural, sem o controle da verdade objetivamente examinada. Havia um
antigo princípio no cristianismo pré-moderno: "Se você tem o ensino
correto, certamente terá experiência com Deus." É o ensino correto a
respeito de Deus que o levará a um relacionamento correto com Ele. Mas a ordem
foi invertida. O novo princípio do cristianismo pós-modernista é: "Se você
experimenta Deus, você terá o ensino correto." Em outras palavras, é a
experiência que você teve com o sobrenatural que lhe dará as diretrizes que
deve seguir. Não há qualquer padrão de verdades estabelecidas que você deva
seguir. Elas virão dependendo de sua experiência. Ao invés da verdade
objetivamente revelada determinar a validade da experiência, é a experiência
que determina a doutrina.
Temos que restaurar o princípio da
verdade objetiva que vigorou no tempo do cristianismo pré-moderno. Do
contrário, a igreja cristã perderá totalmente a sua identidade.
B. O desafio de não
ter medo da verdade
Muitos dos nossos jovens cristãos estão
sendo acuados pelo caos teológico em que vivem, ao ponto de não terem coragem
de assumir a verdade do cristianismo em face das pressões que sofrem em nossa
sociedade pluralista. É muito difícil para eles assumirem a verdade de Deus e
serem íntegros. A vida moderna tende a levar todos nós a um comportamento
hipócrita e de padrões duplos. Não somente os estudantes, mas todos nós
enfrentamos situações muito difíceis, porque a sociedade contemporânea não
aceita que haja um padrão de verdade e ninguém pode sair por aí pregando e
vivendo a verdade. É assim o ambiente em que os nossos filhos estão crescendo.
Em tal ambiente é extremamente difícil ser o povo da verdade.
Precisamos educar os nosso filhos e o
povo de Deus a não terem medo de expressar a sua fé na verdade da Palavra de
Deus. É exatamente para esse fim que o povo de Deus tem sido convocado: para
falar da verdade e para vivê-la. Como um povo da verdade, os cristãos devem
resistir à tentação de ficarem em silêncio e de terem que assumir uma vida de
padrões duplos. O silêncio e a hipocrisia podem minar a verdade, e o
cristianismo pode vir a cair no descrédito. Além disso, estaremos minando o
conceito de verdade se "todas as verdades são igualmente
verdadeiras." O protesto dos cristãos diante desse status quo é
urgente e absolutamente necessário, a fim de que Deus seja honrado através de
nosso testemunho da verdade e vida na verdade.
C. O desafio para não
sermos um gueto
Devido ao pluralismo religioso admitido
em nossa sociedade pós-moderna, alguns grupos religiosos têm a tendência de se
isolarem em suas verdades. O cristianismo não tem fugido à regra. Muitas
comunidades cristãs genuínas se isolam em seu casulo com medo de serem
invadidas. Quando questionadas em seus padrões, as igrejas e denominações têm a
tendência de se isolar em um refúgio para permanecerem num lugar de segurança,
que Veith chama de "gueto cristão."40
A bem da verdade, ninguém escolhe viver
num gueto, pois os que vivem nele, vivem por causa da
discriminação.41 O cristão, num certo sentido, é discriminado em
todas as sociedades, mesmo onde ele é a maioria nominal. Quem vive num gueto é
porque está excluído do ambiente geral.
A Igreja cristã não deve se isolar,
embora deva proteger a verdade. Se ela se acovarda emburacando-se em uma
caverna, como Elias fez diante das investidas de Jezabel, a igreja vai perder a
sua verdadeira identidade.
Ela deve aceitar o desafio de
contrariar o espírito do tempo presente como uma espécie de
"contracultura," saindo para minar os campos alheios. Ela não deve
ensimesmar-se (ou isolar-se), porque se o fizer, estará negando a sua missão de
ser proclamadora do reino, de ser sal no meio desta geração pervertida e
corrupta. Ela não deve temer a crítica ou o desprezo. Ela tem que sair do gueto para
ser luz! Se ela sair, não será destruída, porque o Senhor dela, na sua
fidelidade, se encarregará de abençoá-la. O Senhor haverá de protegê-la
enquanto ela lutar contra as outras "verdades" do pluralismo
religioso e teológico.
Sair do gueto significa
entrar na ofensiva da proclamação e da mostra prática da verdade teórica.
Diogenes Allen, professor de Princeton, alerta que a era pós-moderna é uma
grande oportunidade para o cristianismo sair da defensiva, posição que tem
ocupado desde a implantação do Iluminismo: "Não pode o cristianismo ser
colocado da defensiva, como tem sido nos últimos 300 anos ou coisa que o valha,
por causa da visão estreita da razão e da confiança na ciência clássica, que
são as características da mentalidade moderna."42
Se o cristianismo quer ser uma
alternativa para este mundo pós-modernista, ele tem que confessar a sua fé e
prová-la com atitudes. Isso implica num conhecimento intelectual e experiencial
da fé, que tem faltado a tantos chamados cristãos. Pela falta dessa confissão e
pela falta da genuinidade da experiência, é que o cristianismo tem permanecido
acuado pelo modernismo, dentro do seu próprio gueto. Sair dele é um
imperativo para a sobrevivência e para a expansão do reino de Deus. Essa saída
do gueto tem que ser vitoriosa, não pela derrota do
modernismo, mas pelo retorno à vida, pelo conhecimento advindo do real estudo
da Escritura e pela experiência genuína com o Senhor Jesus. Somente quando isto
acontecer, é que a igreja terá coragem de entrar na ofensiva contra as hostes
espirituais do mal, que estão entrincheiradas nas filosofias pós-modernistas.
D. O desafio da volta
à confessionalidade
O modernista Ernest Gellner, lutando contra
o espírito pós-modernista, presta um tributo de respeito aos que ele chama de
fundamentalistas religiosos, dizendo: "Os fundamentalistas merecem o nosso
respeito, tanto como reconhecedores da singularidade da verdade que evitam a
superficial auto-ilusão do relativismo universal (e merecem nosso respeito),
quanto como nossos ancestrais intelectuais. Sem provocar uma excessiva adoração
de nossos ancestrais, nós lhes devemos uma medida de reverência..."43 Embora
ele não concorde com os fundamentalistas religiosos, certamente Gellner entende
que o fundamentalismo é uma grande opção para a sociedade contemporânea.
É importante observar que o
fundamentalismo religioso aqui descrito não tem nada a ver com o
fundamentalismo de outras religiões, como o fundamentalismo islâmico, por
exemplo. O que Gellner tem em mente é a religião pré-moderna, especialmente o
cristianismo revivido na Reforma e pós-reforma.
Se o cristianismo quer ser a melhor
opção para o homem pós-moderno, ele tem que voltar às suas origens históricas.
Primeiramente, às Escrituras e, conseqüentemente, à Reforma do século XVI.
Muitos teólogos estão redescobrindo a Escritura, voltando a ela, e
redescobrindo a história (os pais da igreja e a espiritualidade que os
caracterizou). É curioso que, para satisfazer as necessidades espirituais do
homem pós-moderno, tenhamos que voltar à mensagem do homem pré-moderno.
Portanto, o desafio da igreja é a volta
aos princípios da Reforma do século XVI. Os luteranos que voltem aos seus
credos, os calvinistas aos seus, e os outros que não possuem credos, que voltem
às raízes do movimento, conquanto estas combinem com o verdadeiro ensino da
Palavra, e que todos tenham a verdade restaurada objetivamente, sem, contudo,
cair num confessionalismo frio e árido, que caracterizou a segunda metade do
século XVII e o século XVIII. É necessário que as igrejas cristãs históricas
voltem a ter uma fé ortodoxa, viva e piedosa; uma fé que dê lugar ao intelecto
e aos sentimentos: uma fé racional, mas não racionalista, com emoções, mas não
emocionalista; uma fé baseada na verdade de Deus como revelada nas Santas
Escrituras.
__________________________
Notas
1 Sobre este assunto verificar o
excelente artigo de Ricardo Quadros Gouvêa, "A Morte e a Morte da
Modernidade: Quão Pós-moderno é o Posmodernismo?" em Fides
Reformata, 1/2 (Julho-Dezembro 1996) 59-70.
2 R.C. Sproul, Classical
Apologetics (Grand Rapids: Academie Books, 1984) 7.
3 Gene Edward
Veith, Jr., Postmodern Times (Illinois: Crossway Books, 1994)
19.
4 Dennis L.
Okholm, ed., Four Views on Salvation in a Pluralistic World (Grand
Rapids: Zondervan, 1996) 8.
5 Ibid., 9.
6 Alister
McGrath, "The Challenge of Pluralism for the Contemporary Christian
Church," em Journal of the Evangelical Theological
Society, 35/3 (1992) 364.
7 Ibid.
8 Veith,
Postmodern Times, 51.
9 Ibid., 53.
10 Ibid., 54.
11 Stanley J.
Samartha, "Church in the World: A Hindu-Christian Funeral," em Theology
Today (Janeiro 1988) 481. Este artigo mostra o resultado das
crenças pluralísticas, sem mencionar uma vez sequer a palavra
"pluralismo."
12 Okholm, Four
Views, 12.
13 McGrath,
"The Challenge of Pluralism," 367.
14 R. Rorty, Consequences
of Pragmatism (Minneapolis: University of Minneapolis, 1982), xlii;
(citado por McGrath, "The Challenge of Pluralism," 368).
15 A palavra homofobia quer dizer a
aversão pelo igual. Em outras palavras, os homófobos são aqueles que não
possuem preferência por pessoas do mesmo sexo. Portanto, em alguns setores da
ética pluralista, os doentes são aqueles que possuem aversão pelo mesmo sexo.
16 Citado por Veith, Postmodern
Times, 59.
17 Citado por Veith, Postmodern
Times, 238, nota 21.
18 Informações retiradas de Veith, Postmodern
Times, 17.
19 Ibid.
20 McGrath,
"The Challenge of Pluralism," 366.
21 Ibid., 365.
22 Ibid., 366.
23 Steven
Connor, Postmodernist Culture: An Introduction to Theories of the
Contemporary (Oxford: Basil Blackwell, 1989) 154 (citado por Veith, Postmodern
Times, 58).
24 Citado em H.
A. Evan Hopkins, "Christianity — Supreme and Unique," em H. A. Evan
Hopkins, ed., The Inadequacy of Non-Christian Religion: A Symposium (London:
Inter-Varsity Fellowship of Evangelical Unions, 1944) 67.
25 Gavin
D’Costa, "The Pluralism Paradigm in the Christian Theology of
Religions," em Scottish Journal of Theology, 39 (1986) 220.
26 Ibid.
27 Veith, Postmodern Times, 57.
28 Connor, Postmodernist
Culture, 32-33 (grifos meus).
29 Ver o penetrante artigo de F. Solano
Portela sobre a influência do pragmatismo no moderno movimento de crescimento
de igrejas, intitulado "Planejando os Rumos da Igreja: Pontos Positivos e
Crítica de Posições Contemporâneas," em Fides Reformata 1/2
(1996) 79-98.
30 Veith, Postmodern Times,
212.
31 Charles
Colson, The Body: Being Light in Darkness (Dallas, Texas:
Word, 1992) 44-47.
32 Ibid.,
43-44.
33 Veith, Postmodern
Times, 214.
34 Michael
Horton, "Theology at a Glance," em Modern Reformation (Janeiro-Fevereiro
1993) 33.
35 A parte da teologia sistemática onde
se estuda o ser de Deus é chamada de teontologia. Também nessa
parte são comumente estudadas as obras de Deus.
36 A área da teologia sistemática que
estuda a doutrina do homem em relação ao pecado é denominada hamartiologia.
37 Veith, Postmodern Times,
214.
38 Estes três nomes italicizados foram
cunhados pelo antropólogo inglês Ernest Gellner em seu livro Postmodernism,
Reason and Religion (London: Routledge, 1992).
39 Leith
Anderson, A Church for the Twenty-First Century (Minneapolis:
Bethany House, 1992) 20.
40 Veith, Postmodern Times,
210
41 Exemplos de guetos podem ser vistos
na África do Sul, onde os negros ainda vivem em lugares isolados feitos
especialmente para eles; há, ainda, exemplos de algumas comunidades de negros
norte-americanos, onde eles vivem quase que exclusivamente para si próprios,
sem contato maior com a comunidade dos brancos. Eles criam seu próprio estilo
de vida e linguagem. Houve, também, o exemplo clássico dos guetos dos judeus no
tempo da guerra na Polônia, Alemanha e outros lugares da Europa.
42 Diogenes
Allen, Christian Belief in a Postmodern World (Louisville, KY:
Westminster/John Knox Press, 1989) 2.
43 Ernest
Gellner, Postmodernism, Reason and Religion (London:
Routledge, 1992) 95-96 (citado por Veith, Postmodern Times, 217).